Devo me preocupar com a gastrite?

13 agosto, 2020



A gastrite é um achado endoscópico muito comum, mas que gera muita confusão entre médicos e pacientes.  O que geralmente acontece? Paciente vai ao gastroenterologista queixando de dor no estômago. Médico pede endoscopia. Endoscopia vem laudada como gastrite enantemática leve de antro (ou qualquer nível de gravidade ou localização). Médico diz ao paciente que ele tem gastrite e essa é a causa dos sintomas, mas é isso mesmo?

Primeiro de tudo: gastrite é um achado que só pode ser confirmado pela biópsia e análise anatomopatológica. Gastrite significa inflamação da mucosa e a endoscopia somente infere isso ao observar achados macroscópicos como mucosa avermelhada (enantemática), edemaciada ou erodida.

Depois de confirmada gastrite, vamos procurar a causa. A principal causa é a infecção por H. pylori, mas podemos ter outras como medicamentos (anti inflamatórios), doença de Crohn, tuberculose, citomegalovírus, sífilis... São inúmeras causas que precisamos descartar juntando as peças do quadro clínico, exame físico, exames laboratoriais e achados endoscópicos.

O que acontece muitas vezes é que não achamos nenhuma causa pra gastrite e dessa maneira é um achado idiopático. Ela justifica sintomas? Na grande maioria das vezes é um achado casual. Sem relação com sintomas. Isso já foi avaliado por estudos: muitos pacientes que tem gastrite não sentem nada e outros que não tem gastrite sentem muita dor.

Se o paciente tem gastrite, dor de estômago e nenhuma causa que justifique a gastrite e os sintomas, então o diagnóstico é de dispepsia funcional e daí o eixo cérebro-trato digestivo é muito importante. 

Se o diagnóstico levou a uma causa como infecção por H. pylori, deve ser tratada. Se a investigação levou ao diagnóstico de dispepsia funcional, o tratamento deve seguir uma linha lógica e racional com o que já sabemos ser eficaz e reassegurar o paciente de que não temos como objetivo normalizar o achado de gastrite.

O esclarecimento para o paciente do que ele tem e quais são as futuras perspectivas funciona muito melhor que somente dizer que ele tem " gastrite nervosa ". 

Então, devo me preocupar com a gastrite? A preocupação deve ser com a causa e se não foi achada, a resposta é NÃO!

 

H. pylori em 2020: reflexões sobre a infecção mais comum da humanidade.

7 agosto, 2020

Os piloros de Helicobacter são uma bactéria Relvado-negativa, microaerophilic encontrada no estômago. ilustração 3D. Crédito de imagem: Tatiana Shepeleva/Shutterstock


O Helicobacter Pylori é uma das doenças infecciosas mais comuns da humanidade e a bacteriana crônica mais comum. Essa bactéria tem um grande potencial de sobreviver no estômago e inflamar a mucosa, podendo interagir com a microbiota intestinal e outras doenças. Para elucidar sobre esse tema é importante destacarmos alguns pontos principais. 


Por que devemos tratar o H. Pylori? 

 

O H. pylori é um agente carcinogênico, considerado como tipo 1 pela Organização Mundial de Saúde e principal causador do câncer de estômago.  É também relacionado com a gastrite atrófica, úlceras, linfoma MALT (um tipo de linfoma do estômago) e com sintomas dispépticos em um grupo particular de pacientes.


Importante ressaltar que apesar do risco aumentado de câncer de estômago nos pacientes infectados pela bactéria H. pylori, isto não ocorrerá na maioria deles. A infecção é altamente prevalente, com estimativas de infecção em mais de 40% da população, mas somente uma minoria evoluindo para câncer de estômago.


É necessário saber que todos os pacientes com H. pylori confirmado através do exame histológico, sendo esse o padrão ouro para o diagnóstico, deverão ser sempre tratados!


E quais são as indicações para pesquisar a infecção pelo H. pylori? 


-Dispepsia 

-Doença ulcerosa péptica

-Neoplasia de estômago

-Gastrite Atrófica

-Pacientes com Anemia Ferropriva de etiologia obscura

-Portadores de Púrpura Trombocitopenica Autoimune

-Linfoma Malt

-Pacientes com programação de uso de anti inflamatórios como aspirina (AAS) por tempo prolongado devido risco de úlceras e sangramentos


Existe uma crescente resistência dessa bactéria aos antimicrobianos empregados no tratamento e por isso é necessário uso de esquemas contendo pelo menos 2 antibióticos e prazol com tempo de tratamento de 2 semanas para otimizar a chance de erradicação.


O tratamento de primeira escolha é prazol (pode ser qualquer um) + amoxicillina 1000 mg + Claritromicina 500 mg 12/12 horas durante 14 dias. 


Em pacientes alérgicos a penicilina podemos usar esquemas alternativos como: Prazol (pode ser qualquer um) + Claritromicina 500 mg + levofloxacina 500 mg durante 14 dias


Os principais efeitos colaterais são: diarréia, náuseas, vômitos ou plenitude pós prandial. 


Podemos minimizar os efeitos colaterais utilizando antieméticos, administração com alimentos e probióticos.


Lembrar que a confirmação da erradicação da bactéria é fundamental!




***** Este artigo foi escrito com a grande colaboração da acadêmica de medicina Iasmin Pordeus C. Urtiga (Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba - FCM) como parte do projeto #padrinhomed.

 

Microbiota: o que sabemos é uma gota. O que não sabemos é um oceano.

4 agosto, 2020

 

A microbiota intestinal é cada vez mais reconhecida como importante componente da manutenção da saúde e participação em várias doenças. Mas o que é a microbiota intestinal? É o conjunto de microrganismos vivos, que podem ser bactérias, fungos, protozoários e até vírus que colonizam o trato digestivo. Sua composição é influenciada por diversos fatores e parece ser determinada já dentro do ventre da genitora.

Além disso, sua composição pode mudar devido idade, uso de antibióticos, inibidores de bomba de próton (omeprazol por exemplo) e álcool, infecções, gravidez e mudanças do estilo de vida. A interação ambiente e fatores do indivíduo parece ser determinante neste processo.

Mas porque estamos estudando tanto a microbiota? Porque a chave na compreensão de várias doenças pode estar no entendimento da microbiota. Reconhecemos hoje uma condição chamada disbiose, a qual se caracteriza por haver um desequilíbrio entre esses microrganismos, especialmente bactérias, com aumento de certas populações de bactérias em detrimento de outras e podendo causar o processo de doença. 

Vamos citar algumas das doenças que já foram ligadas à disbiose:

-Doenças inflamatórias intestinais como Doença de Crohn e Retocolite ulcerativa. A disbiose desregulando o sistema imune intestinal e aumentando secreção de produtos inflamatórios;

-Esclerose múltipla;

-Asma;

-Síndrome metabólica e esteatose hepática;

-Lúpus eritematoso sistêmico;

-Artrite Reumatóide.


O aparecimento de todas essas doenças parece se dever a uma desregulação do sistema imune devido uma interação desfavorável entre os determinantes genéticos do indivíduo e a disbiose.

Já foram propostos esquemas terapêuticos com probióticos e transplante fecal, porém que ainda necessitam mais estudos.

Sabemos muito pouco ainda e estamos longe de entender esse assunto tão fascinante. Mais estudos estão por vir e no futuro esperamos que a melhor compreensão da microbiota nos leve a tratamentos eficientes para estas doenças.

 

Glúten: vilão em todos os casos?

29 julho, 2020

 Consumo de produtos sem glúten cresce no país


É cada vez mais comum ver pacientes aderindo à dieta sem glúten. Essa é uma prática que vem ganhando notoriedade desde que o glúten foi associado ao aparecimento de algumas doenças autoimunes e à descrição do aumento da permeabilidade intestinal. A pergunta chave é: quem se beneficia da dieta sem glúten? Devemos retirar o glúten de todos?



Portadores de doença celíaca

A doença celíaca é uma doença imunomediada e tem como gatilho o glúten. Todos os pacientes com doença celíaca devem seguir uma dieta sem glúten rigorosamente. Não há nenhuma quantidade de ingesta de glúten segura neste grupo de pacientes e é imperativo que o paciente siga a dieta. Especial atenção deve ser dada à contaminação dos alimentos, especialmente quando paciente come em restaurantes onde pode haver contaminação e desencadear descompensação da doença. Os pacientes celíacos que não aderem à dieta sem glúten estão sob risco de desenvolver deficiências nutricionais e desenvolvimento de um tipo de linfoma intestinal agressivo (Linfoma EATL).



Intolerantes ao glúten

Este grupo de pacientes tem sintomas gastrointestinais como distensão abdominal e flatulência quando ingerem alimentos com glúten, porém não possuem as alterações que definem a doença celíaca como os autoanticorpos e atrofia vilositária. Não há deficiências nutricionais e nem risco de desenvolvimento de linfoma ou outras malignidades. Estes pacientes geralmente relatam sintomas com a ingesta de outros grupos de alimentos como laticíneos e outros sacarídeos. Pode haver sobreposição com a síndrome do intestino irritável e será necessária individualização do tratamento e dieta para atingir os melhores resultados.



População geral

Não existe evidência científica adequada que justifique a retirada de glúten para a população geral. Há relatos de mudança da microbiota, mas não sabemos até que ponto essa mudança traria algum benefício para a saúde geral do indivíduo. Apesar de sabermos que o glúten aumenta a permeabilidade intestinal, não sabemos ao certo se haveria uma redução efetiva da incidência de doenças autoimunes ou inflamação sistêmica. O risco de se excluir o glúten da dieta parece exceder os benefícios já que por haver uma restrição alimentar importante, poderíamos desencadear alterações nutricionais significativas na população.


Portanto, recomendo que todos os pacientes que relatam sintomas gastrointestinais com a ingesta do glúten sejam submetidos ao rastreio da doença celíaca e avaliado se há algum grau de intolerância alimentar, podendo assim ser realizada individualização do tratamento. Não recomendo restrição ao glúten para a população geral.